domingo, 30 de novembro de 2008

Não, não é cansaço...


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos

Cansaço. Foi o cansaço que me despertou a atenção neste poema. Neste e noutro de Álvaro de Campos que devido ao facto de estar no livro “Página Seguinte” não é válido, logo decidi virar a página de uma peça de teatro elaborada por uns amigos com textos dos maiores poetas do século XX encontrando-o.
Voltando ao poema, devo realçar a intemporalidade do mesmo. Por vezes parece que não há nada para se fazer (puro engano!) e chegamos mesmo a convencermo-nos disso,perdendo assim a vida o encanto primordial. Sentimos dúvidas/incertezas, desiludimo-nos constantemente e não passamos de “cópias iguais” : seres racionais (segundo dizem!) que querem ser diferentes (que na verdade são) mas que passam pelo mesmo que todos outros, tornando-nos assim iguais. Todos já tiveram dias menos bons, dias em que nada corre bem, dias em que parece que o mundo vai acabar (que na verdade nunca mais acaba) provocando uma confusão interior que não conseguimos entender nem sequer expressar em gestos ou palavras. É esta confusão que impede Campos de explicar o cansaço que na realidade sente mas que não queria sentir! Queria ser cego para não ver o mundo e ser capaz de, como os cegos, tocar viola que os compensa de não conseguirem ver, e ao mesmo tempo, a música impede-os de ouvir as coisas más que ele ouve.
Não nos salva sermos cegos, a vida é invadida pelo cansaço. A resistência é uma batalha perdida.

Filipa
12ºF

1 comentário:

Anónimo disse...

"A mesma coisa variada em cópias iguais". É grande a abstracta sensação que se sente ao ler isto, mas fascinante é pensar que alguém como Álvaro de Campos torna concreta a realidade de sempre e para sempre. Basta que tentemos contrariar a igualdade em demasia.

Tu já começaste. Parabéns : )

M