sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"Quero dormir sossegado, sem nada que desejar"


“Aqui na orla da praia, mudo e contente domar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz

O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar fragrância da brisa de qualquer céu.”

Fernando Pessoa (Ortónimo)

Eu escolhi este poema, porque todos esperam tudo de nós, incluindo nós, sobretudo nós. Eu quero ser a melhor, quero ter o corpo desta maneira, quero ser mais bonita, quero que gostem de mim. Desejos que nos fazem perguntar “Porquê?!”; porque é que não posso fazer isto, porque é que não posso ser doutra maneira, criando em nós metas a atingir que nos tornam, por vezes, obcecados em atingi-las. Para além disto, os nossos pais colocam em nós demasiadas responsabilidades, esperam de nós algo que não podemos dar, fazendo-nos sentir reprimidos, impotentes, mas tão asfixiados, que nem nos deixam explodir, dizer aquilo que sentimos.
Por tudo isto, precisamos de parar por momentos, não pensar em nada, apenas sentir, ver, ouvir, pois, se não pensarmos em tudo aquilo que pesa, vamo-nos sentir mais em paz, por vezes temos de dar um “grito”, libertar toda a nossa raiva, como dizendo “DEIXEM-ME EM PAZ!”. Tantas vezes sentimos vontade de dormir e não mais acordar, estar numa espécie de transe, de coma, sem termos de pensar nos trabalhos que temos de fazer, naquilo que querem de nós, naquilo que queremos de nós, em tudo aquilo que nos afecta.
Ai! Dormir! Dormir é tão aconchegante, relaxante, mas nem sequer temos a noção de que o estamos a fazer. Sabemos que o vamos fazer e sabemos que o fizemos, mas não sabemos que estamos, de facto, a fazê-lo e, isso, isso é o que nos dá mais paz: fugirmos, nem que seja por momentos, desta realidade e vida exaustiva, desgastante, exigente.


[texto ainda por editar pela professora]

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