terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Se eu pudesse…

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


Alberto Caeiro, o mestre dos heterónimos e de Fernando Pessoa, nasceu a 16 de Abril de 1969 em Lisboa. Viveu a maior parte da sua vida numa quinta em Ribatejo onde veio a conhecer Álvaro de Campos. A sua educação cingiu-se à primária, o que combina com a simplicidade e a naturalidade que ele próprio reclama. É dotado de uma aparência muito diferente dos outros heterónimos, mais frágil, de olhos azuis, louro, e de estatura média. Morreu, precocemente, de tuberculose em 1915.
Alberto Caeiro é, como Fernando Pessoa queria para irritar Sá-Carneiro, um pagão [não era o ser pagão que irritaria Sá-Carneiro]. O paganismo revela um culto à natureza, e o de Alberto era como Ricardo Reis escreveu “uma reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem os gregos nem os romanos que viveram nele e por isso o não pensaram, o puderam fazer». Nos seus poemas este culto está bem presente e o que eu escolhi não foge à regra. Ao fim de uma enorme pesquisa por entre sites e ao fim de ter escolhido dois que já tinham sido postados, encontrei este, no meio de tantos outros de Alberto Caeiro, 30 e tal acho eu.

Este poema fala sobre a Terra e para mim basta: a Terra é a essência da vida, o suporte do mundo, um infinito de felicidade. E é isso que Caeiro quer dizer com “trincar a terra toda /E sentir-lhe um paladar”, porque a terra é o berço da vida e o descanso dos corpos na morte. No entanto, o poeta não quer uma felicidade absoluta, porque quer ter dias felizes e outros menos felizes, uns de sol e outros de chuva, porque a chuva também faz falta, nem que seja para nos lavar a cara e preencher a terra ainda com mais vida. Tudo para Caeiro é natural. É natural ser feliz e infeliz, é natural nascer-se e morrer-se, afinal não somos seres vivos e não é isso que nos define? É natural chover e fazer sol, até é natural pensar, porque somos seres racionais. E é isto que o distingue de Fernando Pessoa, Ortónimo, porque Caeiro não entra em conflitos interiores, porque os contrastes existem, pois são naturais.
Caeiro considera-se um anti-filósofo, porque eles [os filósofos] são doentes, no entanto apresenta um discurso axiomático. Mas, não se enganem a sua filosofia é intuitiva e não pensada. Esta filosofia anti-filosófica de Caeiro é o ideal para se viver bem a vida. Sem conflitos interiores, sem complicações, viver a vida dia após dia, sem passado nem futuro, apenas o presente e o presente já passou.

Cátia Ferreira, 12ºB

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