segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Manifesto dos 30 segundos por Tiago Faria





Assalta-me uma cadeia de pensamentos que mais se parecem com correntes de lava e ganchos em brasa, os quais se apegam ao meu cerebelo entre dois anúncios, um de champô e outro de iogurtes magros:

Chega deste chavascal publicitário e do incentivar ao meu consumo. Basta desta má programação que se me apresenta diante os olhos. Chega da casa de secretos de porco e da estupidificação da população. Basta dos programas da tarde de sorriso postiço e alegria arrepiante e chega dos dramas saídos de um qualquer livros do Paulo Coelho e derivados, que não fazem mais do que ocupar tempo, espaço e o Zé Povinho. Morte ao jornalismo que foi tomado de assalto pelos repórteres que escrevem para a “Maria”! Estes que, em vez de nos informarem sobre como retirar nódoas de azeite de uma camisa de seda (que seria mais útil), nos enchem com histórias sensacionais acerca do periquito malabarista da vizinha do oitavo direito ou, pior ainda, sobre praxes, em que se toma a parte pelo todo, não que o todo seja de todo apelativo. 


Basta dos maus gostos, sim, porque eles existem, chega dos consumos culturais embrulhados em plásticos. Abaixo com a má música, abaixo com os maus livros, abaixo com os maus livros outra vez, abaixo com os maus filmes. Abaixo com tudo que é mau e medíocre, e abaixo com a conformidade da cultura, e abaixo a preguiça e passividade com a qual o indivíduo devora tais afrontas. Se o mesmo não pode ser incomodado para se dar ao trabalho de procurar algo melhor, abaixo também com o indivíduo.


Basta dos nossos políticos, os que cheiram a cravo murcho, os que cheiravam a peixe, os de verruga, os que eram arquitetos, os que tiveram equivalência, os coelhos, os que não trabalham e os que trabalham sem ninguém saber. Abaixo com a nossa falta de ação e abaixo com a ação sem resultado. 


Chega dos bancos, sobretudo dos mancos, que pedem uma perna emprestada porque alguém lhes roubou a deles. 


Basta de igreja e dos murmúrios e das rezas e dos terços e do ajoelhar e do pôr de pé e do repetir e do acreditar e do falar por parábolas e do dobrar o joelho só porque pode existir alguém maior e das manhãs de domingo perdidas e das esmolas dadas e dos fracos de fé e dos cheios de fé e dos radicais e dos pacíficos. Não! Eu recuso acreditar, porque acreditar é subjugar e é baixar a cabeça e os olhos e as mãos, basta!

Mas basta de “bastas”, é preciso ação!


Como música de fundo cantam-me que “quando ultrapassado o limite do ultraje, toda a violência é legítima autodefesa”. Pensamento e sentimento partilhado, sobre o qual dormimos, por termos medo de nos entregarmos, sobre a forma de uma ação a essa ideia. Queimemos tudo! Queimemos Roma de novo! Levantai-vos frágeis esqueletos e transformai-vos em homens de rija carne, tomem tudo de volta! Transpirem sangue e medula! Façam por merecer a existência limitada e façam-na arder à mais alta chama!


E, finalmente… basta deste manifesto, porque acabaram os anúncios e volto ao que estava a ver, quentinho, à frente da minha televisão, com uma tontura e cansaço ligeiro. 



Tiago Faria, ex-aluno (conclusão 12º, 2009)


4 comentários:

Fátima Inácio Gomes disse...

Bravo!!!! e bem-vindo!
Auspicioso regresso de um revolucionário do sofá :) ah! a deliciosa ironia! ;-)

A tua tontura final poderia ser a do Cesário Verde, mas já não estamos em agosto, nem o sol é assim tão forte dentro de casa... pensei, pois, no Campos "Preciso de verdade e da aspirina." :D

Faria disse...

Na verdade estava a visualizar um certo senhor de monócoulo espetado que levava bengaladas na escadaria da Universidade de Coimbra

Fátima Inácio Gomes disse...

Levava ou dava? :)

Faria disse...

Dava nas crónicas de costume e levava dos românticos