domingo, 1 de março de 2015

Da Imagem - Tempo - por Márcia Pereira





LEITURA DA IMAGEM

     Salvador Dali foi um pintor catalão que ganhou reconhecimento através do seu comportamento excêntrico e do seu trabalho surrealista, cruzando nas suas obras, de forma invulgar, elementos irreais e circunstâncias familiares ao olho humano.
     Uma das suas obras mais conhecidas é intitulada “La persistencia de la memoria”, que ostenta a tão icónica representação dos relógios derretidos.
     Através do próprio título da obra é fácil de perceber a mensagem que esta transmite. Depreende-se, através dos vários elementos desta pintura a óleo, a presença de um sentimento de angústia provocado por um prolongamento doloroso do tempo e a persistência das memórias ao longo deste.
     As cores quentes com que se apresenta esta obra (tons de amarelo, vermelho, laranja) transmitem-nos a sensação de um ambiente exótico, mas ao mesmo tempo sufocador, como o de um deserto em que o excessivo calor não permite a existência de vida, estando esta também extinta na obra, à exceção de alguns insetos (formigas e mosca) que o autor utiliza como símbolo de putrefação.
     O elemento central deste quadro é a metafórica representação de relógios a derreter, atribuindo ao tempo um sentido negativo, realçando a dor que pode provocar pela indesejada persistência das memórias. Os relógios representam a curva do tempo sob a gravidade. O peso proveniente das memórias faz com que o tempo se curve, se prolongue dolorosamente e provoque uma agonia sufocante.



Criação Textual a partir da imagem:


TEMPO

     Ah! Que desejo colossal que me consome! Que vontade desmedida de viver! Viver sem limites e restrições, pressas ou tensões… Poder quebrar as correntes do tempo que me aprisionam e poder deixar de ser escravo de algo tão cruel como a finitude.
     Ah! Que fome insaciável de poder viver sem pensar no dia de amanhã, sem pensar que o momento que vivo chegará a um fim e perdurará apenas numa sombra da sua grandeza, através de memórias que não lhe fazem qualquer justiça.
     Oh tempo, seu mestre tirano a que estou sujeita, senhor que controla e limita a minha vida, PÁRA! Deixa-me aproveitar cada momento sem estar preocupada com o próximo, vivê-lo até ao limite, senti-lo ao máximo e de todas as maneiras, para que não sobrem arrependimentos.
     Livra-me deste sentimento de insatisfação, deste vazio com que me deixas sempre que das minhas mãos me arrancas o “prato”, impedindo-me de saborear tudo o que este tinha para oferecer, impedindo-me de saciar a minha fome de vida!
     Que angústia tenebrosa esta com que me deixa o passar do tempo! Que sensação assombrosa a do tempo a escorrer por entre os meus dedos sem que o possa impedir. A aflição que me traz saber que não posso fazer os ponteiros do relógio mudar o seu sentido, reviver o passado ou prolongar o presente.
     Sinto-me completamente incapaz perante este imponente e impiedoso ser que torna a minha vida numa caminhada apressada, que me impossibilita de desfrutar da bela paisagem que me rodeia.
     Tempo, com as minha últimas forças, te suplico…..PÁRA!


“Se quiseres viver feliz, não uses relógio. E, se já tiveres um, não o consultes. E, se tiveres de o consultar, procura fazer com que não funcione.” (J. Mallorqui)


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